sexta-feira, 3 de julho de 2009

Na Contramão das Comidinhas


Já ouviram falar que nem só de comidinhas vive o homem?

Ou será que é “Nem só de caviar vive o homem!”?


Pois...

Já que eu também não vivo só de comidinhas, este domingo será mais uma oportunidade para abusar da sofisticação: filhos tendo feito as últimas provas, semestre ganho nas faculdades, notas excelentes (teve um exame final, mas isso é outro assunto) e a cobrança: “Pai, pra comemorar, domingo é dia de Curry de Galinha.” E assim, tão sutilmente intimado, lá vou eu pra cozinha.


A palavra curry - derivada da palavra Tamil, do séc. XVI, kari, isto é, molho - tem atualmente dois significados: ela faz referência, tanto à mistura de ervas aromáticas de modelo indiano, quanto aos pratos feitos com este tempero. Portanto, um curry de galinha é um prato de galinha preparado com curry, um curry de peixe tem que ter peixe e curry, e assim por diante. Em português, temos a palavra “caril”, mas ela é pouco difundida.


Diariamente, as donas-de-casa indianas compõem as suas misturas conforme o que desejam temperar e as reduzem a pó num pilão. Assim como lá, também não existe entre nós um pó de curry "padrão" e cada fabricante tem suas próprias receitas. Para elaborar um prato é preciso saber primeiro qual a força dessas misturas para que eles não fiquem picantes demais.

Entre as denominações mais comuns, temos o mild (suave), o Madras, mais picante, e o Hot Madras, bem picante e destinados àqueles que tem um espírito verdadeiramente aventureiro.

Na minha opinião o curry inglês é o melhor, mas como está quase impossível encontrá-lo por causa de restrições na importação, uso o indiano. Evito ao máximo os brasileiros, mas, quando não é possível evitar, o Kitano é uma opção razoável. Ultimamente, tenho eu mesmo feito minhas misturas que, se não ficam tão boas quanto as inglesas, ao menos não tornam meus pratos intragáveis.


O curry1 de que trato aqui é uma refeição para gourmets. Não por causa da dificuldade ou sofisticação no preparo, pois se trata quase que só de misturar alguns ingredientes e deixar ao fogo e à panela o trabalho de preparar a comida, mas devido à riqueza de sabores, da combinação das diversas especiarias e do resultado final absolutamente ímpar.

Aqui em casa, sempre sei que a) não vai sobrar nada e, b) todos vão comer (muito) mais do que deviam.


Esta receita deve ser suficiente para 6 a 8 pessoas, dependendo da fome e, é claro, da gulodice.


Preciso de:


1 frango grande, de 2 a 3 kg

3 colheres de sopa de manteiga

1 cebola bem grande

1 pedaço de presunto suíno ou de peru, com 200 g

1 maçã fuji bem grande (se quiser o prato mais adocicado, use a maçã gala)

2 dentes de alho grandes

1 colher de sopa de pó de curry (ou mais)

450 g de tomates

200 ml de leite de coco

200 ml de nata ou creme de leite sem soro

1 limão (aqui, há variações: eu acho o limão rosa muito mais saboroso pois ele acrescenta uma nuance adicional de sabor, mas também uso o tahiti ou o siciliano)

2 folhas de louro

tomilho, cardamomo, canela e noz-moscada

sal a gosto


Para começar, trincho o frango do modo tradicional: coxas, sobrecoxas, asas, coxinhas das asas, peito e o “ossinho da sorte”, e os dois pedaços das costas. Lavo bem e como aqui ninguém gosta da pele (leia-se síndrome do pânico do colesterol alto), retiro toda a pele e o excesso de gordura. Depois, corto tudo em pedaços do tamanho aproximado das coxinhas das asas: isso faz com que seja mais fácil trabalhar dentro da panela (não, não sou eu que estou dentro da panela, é o frango!), além de acabar com as brigas do tipo “a coxa é MINHAAAAA!”. Retiro os eventuais pedacinhos de osso e reservo. Também retiro a pontinha das asas e o uropígio. Desprezo os miúdos, com exceção da moela.

Ralo a cebola, amasso bem os dentes de alho, retiro a pele e as sementes dos tomates e esmago-os, pico o presunto em cubinhos, ralo a maçã no lado mais grosso do ralador e reservo. Coloco a panela sobre fogo alto.

Começo refogando a cebola na manteiga. Quando ela está bem transparente, junto o presunto e o frango e deixo dourar um pouco.

Em seguida, acrescento a maçã ralada, os dentes de alho esmagados, o tomate e o curry. A quantidade de curry vai depender do paladar de quem vai comer e da força do pó. Curries mais leves podem ser usados em maior volume. Quando é um Hot Madras, eu vou com muuuita calma... De qualquer modo, é sempre possível acrescentar uma pitadinha de pimenta cayena em meu próprio prato. Coloco um pouco de tomilho, um pitada de cardamomo, de canela e de noz moscada, todos em pó. Junto as folhas de louro e misturo tudo.

Então, generosamente rego com o leite de coco e deixo cozinhar até a carne ficar macia (uns 40 minutos). De vez em quando dou uma “bicada” pra verificar se é preciso acrescentar mais curry. Quando o frango está cozido, tempero com sal, corrijo a pimenta, desligo o fogo e adiciono o creme de leite. Misturo para incorporar. Acrescento o suco do limão passado na peneira, misturo novamente. O molho deve ficar espesso. Levo à mesa na própria panela (a minha é de ferro: fica mais bonito e conserva melhor o calor).


Sirvo com bastante arroz branco e compota de abacaxi macerada com cravo e picada em pedaços pequenos (dois dias antes, abro uma lata de compota de abacaxi e coloco-a - a compota, não a lata - com 2 ou 3 dentes de cravo, numa panela. Aqueço sem ferver e despejo numa vasilha que possa ser tampada. Deixo repousar e no dia de servir retiro os cravos).


Pode parecer estranho, mas nunca consegui identificar uma bebida alcoólica que acompanhasse bem este curry. Prefiro sucos de fruta, entre os quais recomendo os de goiaba, manga e maracujá, todos com pouco açúcar. Chá, desde que não esteja muito quente: Darjeeling ou, na falta dele, o Orange Pekoe do nosso brasileiríssimo Vale do Ribeira.


Como entrada, uma salada de alface e tomates cereja, com azeite e algumas gotas de aceto balsâmico. Ou com um molho que preparo com 4 colheres de sopa de iogurte natural, 1 colher de sopa de azeite, sal a gosto, algumas gotas de limão e uma colher de café de salsa picada bem miudinho. Pouco molho para pouca salada, pois ela é apenas de uma entrada.


A sobremesa?


Uso a receita patenteada do Panquecão do Raphael Lourenço, postada aqui no dia 4 de Fevereiro de 2009, mas coloco uma pitada mínima de sal. Faço sem recheio e reservo.

Meia banana e de meia a uma laranja por pessoa. Espremo as laranjas. Numa frigideira, coloco uma colherinha de manteiga e meia colher de sobremesa de açúcar por pessoa. Misturo tudo até começar a caramelizar. Então, rego com o suco das laranjas e, assim que a fervura baixa, coloco as bananas e deixo cozer até que fiquem meio moles. Se necessário, acrescento mais um pouco de suco ou de água. Então, corto o panquecão em fatias triangulares (como se fosse uma pizza): seis pessoas, seis fatias. Coloco as fatias dentro da frigideira, até que absorvam parte do molho.

Em cada prato, coloco uma fatia do panquecão, meia banana por cima, rego com parte do molho e decoro o prato com um pouco de calda de chocolate, com uma passagem transversal sobre a banana.

Quando a vontade é realmente cometer um excesso, acrescento ao lado uma bola bem pequena de sorvete de creme.


Depois disso, me dedico a observar os rostos e suas diferentes expressões de felicidade.


O meu coração canta...






1 Receita adaptada do Curry de Galinha de:

GÖÖCK, R. As Cem Receitas Mais Famosas do Mundo. São Paulo: Círculo do Livro.